20 de Junho – Dia da/o Refugiada/o
Coletivos negros, diaspóricos e de direitos humanos promovem ação nas redes a partir do legado das manifestações por justiça a Moïse Kabagambe
No Dia Mundial do Refugiado, data estabelecida pela ONU para homenagear as pessoas em situação de refúgio, uma iniciativa de pesquisadores e ativistas do Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas, da Universidade de São Paulo, em conjunto com coletivos do movimento negro, diaspórico e de direitos humanos, propõe organizar ações em rede contra o avanço do racismo e da xenofobia no Brasil e em memória da luta por justiça a Moïse Kabagambe no contexto dos debates sobre as reparações à escravidão e das novas formas de colonialismo entre as Américas e África.
Entre as propostas, estão um chamado para participar do Memorial Digital #JustiçaPorMoise, por meio de publicações nas redes sociais reivindicando a união de forças para o combate ao racismo xenofóbico e para a imediata garantia de direitos e dignidade para todas as pessoas migrantes, refugiadas e apátridas. Confira abaixo os cards para as redes com ideias de hashtags.
Memorial Digital
Nas vésperas de completar 6 meses dos atos por justiça a Moïse, a ideia do Memorial Digital é constituir um acervo colaborativo, e já reúne cerca de 10 mil registros audiovisuais. A iniciativa nasceu do projeto Vídeos Que Importam, da organização internacional Witness. A ONG defende o uso do vídeo contra a violação de direitos humanos e é parceira do Fronteiras Cruzadas. Segundo o videomaker Daniel Perseguim, um dos organizadores do projeto, o Memorial Digital “busca fomentar o uso das mídias para ampliar o legado das manifestações que ocorreram por todo o país e também no exterior. O Memorial é um arquivivo das manifestações contra o racismo e a xenofobia”. [Confira o texto Vídeo como dispositivo anti-xenorracismo publicado por pesquisadores do Fronteiras Cruzadas no Blog da Witness Brasil https://portugues.witness.org/fronteiras-cruzadas-video-como-dispositivo-anti-xenoracismo/]
A barbaridade cometida contra o jovem Moïse em seu local de trabalho na Barra da Tijuca se soma a outros recentes assassinatos de migrantes, principalmente negros africanos e haitianos, motivados por questões étnico-raciais. Neste Dia do Refugiado, as ações propostas pelos coletivos também é pela memória desses migrantes, como João Manuel, Kerby Tingue, Fetiere Sterlin, Inolus Pierrelys, Fallow Ndack, Zulmira de Souza Borges, Toni Bernardo da Silva e Brayan Yanarico Capcha.
De acordo com Karina Quintanilha, advogada e pesquisadora da Unicamp, integrante do Fronteiras Cruzadas, “existe uma sensação de medo, pela intensificação dos discursos de ódio e violência contra pessoas migrantes no Brasil. O Estado brasileiro tem sido o principal agente dessas violações de direitos, com intensificação de prisões ilegais, violência policial, recordes de deportação, além de uma série de medidas inconstitucionais nas políticas migratórias e falta de políticas concretas para a regularização migratória de solicitantes de refúgio, sobretudo africanos que aguardam anos por uma resposta e geralmente terminam por não obter o reconhecimento do refúgio, sendo empurrados para os trabalhos mais precarizados”.
Por outro lado, o Brasil – país signatário de convenções internacionais de direitos humanos e regido pela Lei de Migração (2017) e pelo Estatuto do Refugiado – assumiu um compromisso importante no acolhimento desses grupos sociais de todo o mundo. É preciso unir forças para construir políticas públicas efetivas com vistas a garantir as condições de vida desses trabalhadores e suas famílias que constroem o país.
JUSTIÇA E IMEDIATA REPARAÇÃO HISTÓRICA
De acordo com a presidenta do Conselho Municipal de Imigrantes da Prefeitura de São Paulo, Hortense Mbuyi Mwanza, a sociedade brasileira precisa avançar urgentemente no acolhimento de pessoas migrantes e refugiadas. Segundo ela, o Brasil recebe mas não acolhe. “Eu, como mãe de filhos que nasceram no Brasil, não entendo como alguém que se considera brasileiro, ou seja, filho de antepassados imigrantes, pode me tratar como uma pessoa com menos direitos”, reflete Hortense. “Na realidade o cenário migratório é o mesmo, só que acontece em momentos e circunstâncias diferentes. Os nossos filhos que nascem aqui constituem a juventude que encarna o futuro do Brésil. Também todos os humanos são imigrantes porque todos vêm de algum lugar e acabarão por estar em algum lugar. Aqui estamos cumprindo toda a função de influenciar o meio em que vivemos por atos que colocamos em prol do desenvolvimento para o nosso bem-estar, que é também que somos todos Imigrantes e filhos de imigrantes”, enfatiza. Refugiada da República Democrática do Congo, Hortense é advogada e pesquisadora social, reconhecida por seu trabalho para garantir os direitos de migrantes, como a reunião familiar e o reconhecimento de diplomas no Brasil.
Regina Lucia dos Santos, autora do documento Reparações (disponível neste link: fronteirascruzadas.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Documento-Reparações-Regina-Lucia-dos-Santos-MNU.pdf), defende como proposta do Memorial Digital #JustiçaPorMoise a defesa da cidadania para africanos/as como parte da dívida histórica do Brasil pelo maior tráfico negreiro que já existiu no mundo. “Para os imigrantes africanos e negros de toda a diáspora é necessário o reconhecimento e concessão automáticos da cidadania, com o suporte necessário para a adaptação e a vida no país escolhido para se viver”.
“A assinatura pelo Brasil das propostas da conferência de Durban expressa que os crimes gerados pela colonização e pela escravidão são crimes contra a humanidade, e por isso, devem ser reparados por medidas históricas do Estado brasileiro”, explica a renomada militante do Movimento Negro Unificado (MNU). O professor e pesquisador congolês Bas’Ilele Malomalo, em entrevista para a BBC logo após o assassinato de Moïse, lembra que “70% da população escravizada que veio para cá saiu da parte da África onde está o Congo. O samba, os quilombos, o ‘pretuguês’ – a influência dos idiomas africanos sobre o português – são alguns dos exemplos da influência dos africanos na cultura brasileira”.
Regina enfatiza que é preciso dizer para as pessoas negras que elas são sujeitos de direito, e que “é preciso reagir contra a violência racial, sendo necessário lutar também contra a exploração e por direitos iguais no mercado de trabalho”. Regina reforça, ainda, a importância de defender o vereador negro Renato Freitas (PT-PR), alvo de perseguição política após sua participação no ato #JustiçaPorMoïse em Curitiba. A ativista lembra ainda que amigos de Moïse, como é o caso de Chadrac Kembilu, também tiveram que sair do Brasil após ameaças e que é urgente ampliar as redes para contra essas violências.
DIA DO REFUGIADO: DIA DE LUTA CONTRA O RACISMO E A XENOFOBIA
Neste 20 de junho de 2022, fazemos um chamado a parlamentares, jornalistas, movimentos sociais, organizações de direitos humanos, sindicalistas e a toda população para que se solidarizem e se unam às lutas migrantes e diaspóricas, contra a barbárie, o encarceramento em massa, o genocídio negro e indígena, o racismo estrutural e a xenofobia.
Por justiça a Moïse e em memória das recentes pessoas assassinadas por motivos de xenofobia e racismo no Brasil:
- Moïse Mugenyi Kabagambe – imigrante congolês (DRC), assassinado no quiosque Tropicália, localizado na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
- João Manuel – imigrante angolano, trabalhador frentista assassinado na Zona Leste de São Paulo por um brasileiro que não admitia que imigrantes recebessem o auxílio emergencial durante a pandemia.
- Kerby Tingue – haitiano, espancado e morto por frequentadores e seguranças de uma boate porque urinava do lado de fora. Morreu após ser empurrado e atingido por um caminhão na marginal da BR-101 no dia 3 de junho de 2019 em Santa Catarina.
- Fetiere Sterlin – haitiano assassinado em Navegantes (SC), por mais de dez honens que o xingaram de homossexual em creole haitiano e, depois, voltaram para atacá-lo com facas e objetos de marcenaria.
- Fallow Ndack – trabalhador ambulante de origem senegalesa esfaqueado no centro de Cascavel (PR) por ter cobrado uma dívida financeira de um brasileiro.
- Zulmira de Souza Borges – estudante de engenharia de origem angolana, assassinada no bairro do Brás, em São Paulo por brasileiros que xingaram o grupo de africanos no bar e posteriormente disparou tiros, matando Zulmira e atingindo outra imigrante grávida.
- Toni Bernardo da Silva – natural de Guiné-Bissau, veio ao Brasil para fazer intercâmbio estudantil na UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso). Morreu após ser agredido com socos, chutes e ter sido estrangulado numa pizzaria em Cuiabá (MT), no dia 22 de setembro de 2011.
- Brayan Yanarico Capcha – filho de bolivianos costureiros, em 2013 estava no colo da mãe quando foi baleado na cabeça após a casa da família, na capital de São Paulo, ser invadida por cinco ladrões portando armas de fogo e facas.
- Marcelo Antonio Larez González – jovem imigrante venezuelano de 21 anos, assassinado no dia 03 de fevereiro de 2022 por uma dívida de aluguel de R$100.
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@WitnessBrasil – organização internacional de direitos humanos pelo direito de filmar
@CentroGasparGarcia
@FrenteQuilombolaRS – Frente Quilombola do Rio Grande do Sul
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@Nepemigra – CSVM Cátedra Sérgio Vieira de Mello da UFRS
@MigrantesnoBrasil – Fórum de Migrações (UFRJ)
@AMILV – Associação de Mulheres Imigrantes Luz y Vida
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Links recomendados:
- Vídeo como dispositivo anti-xenorracismo publicado no Blog da Witness Brasil https://portugues.witness.org/fronteiras-cruzadas-video-como-dispositivo-anti-xenoracismo/
- As tramas políticas nas cenas de protesto no Le Diplomatique Brasil https://diplomatique.org.br/as-tramas-politicas-nas-cenas-de-protesto-resposta-ao-brutal-assassinato-do-congoles-moise-kabagambe/