Segundo Comitê de Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia, medida do governo viola direitos regulamentados pela Lei do Refúgio e ecoa tendência de ataques a direitos em continuidade aos governos Temer e Bolsonaro.
Confira a íntegra da nota da Associação Brasileira de Antropologia. Na sequência, publicamos o conteúdo da nota.
Nota sobre a restrição de “viajantes sem documentação adequada” pelo Ministério da Justiça
Na última segunda feira (26 de agosto de 2024) entrou em vigor uma nova política de restrição à solicitação de refúgio de estrangeiros no Brasil, a título de “combate ao tráfico de pessoas” (https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/brasil-vira-rota-de-contrabando-de-migrantes-e-mjsp-muda- regras-para-a-entrada-no-pais). Essa medida concede à Polícia Federal o poder de decidir sobre a legitimidade ou não de solicitações de refúgio de migrantes inadmitidos no Brasil.
Esta é uma medida que viola os direitos de solicitação de refúgio garantidos aos migrantes, regulamentados pela lei 9474/1997, ou Lei do Refúgio. Primeiramente, a medida viola seus artigos 7o, 8o, 9o e 10o, que garantem a qualquer migrante ingressante em território nacional o direito de solicitar refúgio, ainda que o ingresso tenha sido irregular. Eles também obrigam a autoridade a quem for apresentada a solicitação a ouvir o interessado, suspendendo-se qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular. Assim, a medida, sob o argumento de proteger migrantes de redes de tráfico de pessoas, os vitimiza, violando seus direitos à solicitação ao refúgio.
Além disso, seu texto estabelece, em seu Artigo 11o, que é o CONARE (Conselho Nacional para os Refugiados) o órgão responsável pelo julgamento das solicitações de refúgio e em nenhum lugar se permite uma triagem ou julgamento prévio pela Polícia Federal, mesmo que os estrangeiros estejam em situação não documentada. O que essa nova política faz, na prática, é conceder à Polícia Federal um poder de julgamento de solicitações de refúgio, ao arrepio da lei.
Por fim, vale assinalar que, de acordo com a Recomendação no 7354699 da DPU/SGAI DPGU/GTMAR DPGU, foram constatadas diversas violações aos direitos humanos dos primeiros grupos sujeitos a essa nova política, no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Essas violações estão relacionadas à morte do Ganês Evans Osei Wusu, que se encontrava retido no conector do Aeroporto de Guarulhos, sujeito a condições desumanas e indignas.
Nesse sentido, como constata a manifestação intitulada “Repúdio às restrições na entrada de migrantes no Brasil”, assinada por mais de 60 coletivos, ONGs e associações de migrantes no Brasil, essa medida “coloca em risco a segurança e a dignidade dessas pessoas, que podem ser vítimas de perseguições, violências e outras ameaças em seus locais de origem”. (https://migramundo.com/nota-de-repudio-sobre-as-medidas-de-restricao-de-entrada-de-migrantes-no-brasil/)
O Comitê Migrações e Deslocamento da ABA recomenda ao Ministério da Justiça a imediata revogação de tal política de criminalização da migração e do refúgio. Essa política fragiliza a garantia e a efetivação de direitos humanos básicos das pessoas migrantes, ensejando interpretações que vinculam, preocupantemente, determinados migrantes ao perigo, à insegurança, ao risco e ao crime. Ela também contraria a Lei de Refúgio e a Nova Lei de Migração, indicando uma continuação das políticas dos governos Temer e Bolsonaro, e ecoa uma tendência mundial de ataques aos direitos de pessoas em mobilidade.
Brasília, 30 de agosto de 2024.
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e seu Comitê de Migrações e Deslocamentos