Confira abaixo reportagem publicada pelo jornal El Comercio, do Peru, com comentário da pesquisadora Karina Quintanilha Ferreira.
El Comercio – Peru – Juan Diego Rodriguez Baltazar • 05/out/2022
No domingo, 30 de outubro, Jair Bolsonaro e Lula da Silva voltam a se enfrentar nas urnas para manter ou retornar à presidência. Como as próximas semanas se desenrolarão e quais decisões os dois oponentes tomarão para atingir seus objetivos?
“As pesquisas chegaram perto do resultado final de Lula da Silva, mas falharam com Jair Bolsonaro.” André Coelho Grisul, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coloca a lupa na diferença de 10 a 15 pontos que as consultas deram aos candidatos à presidência do Brasil – que disputarão o segundo turno da 30 de outubro – antes das eleições deste último domingo. Por fim, Lula obteve 48,41% e Bolsonaro, 43,22%, derrubando as previsões de uma vitória avassaladora do ex-presidente no primeiro turno.
“Ainda são necessários mais estudos, mas a explicação que está sendo considerada hoje é que o apoio ao terceiro candidato mais bem colocado nas pesquisas, Ciro Gomes, saiu com Bolsonaro.” Ciro Gomes ficou, após as eleições, em quarto lugar (depois de Simone Tebet) com 3%, e como define Coelho, o eleitorado teria optado pelo “voto útil” para que Lula não ganhasse tão facilmente.
Nesse sentido, Luciana Santana, doutora em Ciência Política e pesquisadora do comportamento político, propõe acrescentar à equação a mesma corrente bolsonarista e seus esforços, cuja relevância se amplia pouco antes da votação e passa a ser “a luta entre o bem e o mal”, como diria o candidato. Ela sustenta: “Não podemos ignorar que a militância e mobilização a seu favor é muito mais forte que a do PT e de Lula”.
De qualquer forma, para Coelho, o cenário com vistas ao segundo turno “é muito aberto”, há muitas arestas a serem levadas em conta para avançar uma opinião. É verdade que faltava a Lula “perto de um milhão e meio de votos” para vencer, ao contrário dos “mais de seis que faltavam a Bolsonaro”; no entanto, deve-se levar em conta que também haverá segundo turno para eleger governadores no país, e que a propaganda pode fazer a diferença. Também vale pensar em quem vai conseguir o apoio de Simone Tebet e CIro Gomes, mas também é uma aposta. “Ela já disse que seu partido precisa de tempo para decidir seu caminho. Mesmo assim, seria preciso pensar em quais condições eles vão exigir e se serão aceitos”.
Santana ressalta que, por questões ideológicas, Tebet e Gomes deveriam endossar seus votos a Lula, mas também é verdade que o líder petista começou a administrar o acordo desde o primeiro turno, então já deu um passo além do adversário. “De qualquer forma, o sucesso do segundo turno se dará não só pela ampliação do apoio e pela manutenção dos votos conquistados, mas também pelas mensagens que chegam aos indecisos para conquistá-los.”
Mas para Santana há uma questão mais importante: “O maior desafio é reduzir a rejeição”.
Pensar no futuro
A “prorrogação” -c omo Lula da Silva descreveu o tempo de espera até o final do mês- não traria dificuldades econômicas ao país. Mas socialmente, alerta Coelho, pode aumentar a violência. Já aconteceu antes. Em julho deste ano, o policial federal Jorge José Guaranho, apoiador do atual presidente, atirou e matou Marcelo Arruda, líder do Partido dos Trabalhadores de Lula. “Aqui somos de Bolsonaro!”, gritou após atirar.
Com vistas ao segundo turno, Coelho espera que Lula busque o apoio de Tebet e Gomes, para o qual alerta para moderação e certo deslocamento para o centro, até mesmo para a direita. O apoio da esquerda, se conseguir se unir contra Bolsonaro, será muito importante. Por outro lado, Santana entende que, por seu perfil e contexto, o atual presidente poderia aproveitar a radicalização de seu discurso. “Na verdade, já há muita gente questionando a eleição por causa da diferença na composição da legislatura e nos resultados presidenciais”.
Coelho acrescenta: “E devemos lembrar que ele tem a máquina do governo, que tem o Estado a seu favor, e que se já distribuiu bilhões de reais aos cidadãos em ajuda social, pode continuar assim”.
Nas eleições deste domingo, pela primeira vez na história do Brasil, houve mais candidatos afrodescendentes do que brancos. No entanto, o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística determinou que eles tinham metade das chances de serem eleitos do que os brancos. A história prova isso. A Europa Press escreve que os dados são baseados nas eleições de 2018: 3.177 tentaram entrar na Câmara dos Deputados, mas apenas 124 conseguiram; ao contrário da outra população, que se candidatou a 4.425 e conquistou 386 cadeiras.
Os dados não são menores se levarmos em conta que os afrodescendentes e mestiços representam 56% da população.
A esse respeito, Karina Quintanilha, pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas, afirma: “A discriminação, principalmente contra negros e indígenas, também se reflete na formação de partidos políticos. Essas candidaturas tendem a receber menos financiamento para suas campanhas e têm menos tempo de visibilidade na mídia. Em raras ocasiões são convidados para debates na grande mídia ou para ocupar cargos de liderança em instituições”.
As mulheres são outro grupo sub-representado nas instâncias políticas. Embora seja verdade que Dilma Rousseff foi presidente, ojornal espanhol “El País” entende que isso se deveu ao fato de o próprio Lula a ter indicado como sua sucessora. Sendo que no país elas são mais numerosas que os homens.
Com isso em mente, como explicar o terceiro lugar de Simone Tebet? Quintanilha comenta: “Ainda estamos tentando entender o que os resultados das eleições nos dizem sobre as questões de gênero. No caso do Tebet, é verdade que tem um programa que tenta captar o voto feminino; no entanto, este é construído a partir de uma elite latifundiária e há muitas contradições em seu projeto político”.
A especialista acrescenta: “Por exemplo, não tem uma plataforma popular de diálogo com as mulheres trabalhadoras, não defende o direito ao aborto – o aborto clandestino mata cerca de 2 mulheres por dia no país, segundo o Ministério da Saúde (2018) – e pertence a um partido que foi decisivo para o golpe da primeira presidente eleita no Brasil, Dilma Rousseff”.
E qual é a posição de Lula da Silva e Jair Bolsonaro sobre migrantes e refugiados? Quintanilha sustenta: “Jair Bolsonaro não apresentou nenhuma proposta voltada para essas populações e, quando menciona o assunto na mídia, geralmente o trata de forma pejorativa”.
Aliás, ela não esquece que, em 2018, Bolsonaro tuitou que “a lei migratória ia trazer o caos ao Brasil”. Ela acrescenta: “E em seu governo houve registro de deportações – incluindo a cooperação com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – para expulsar brasileiros em condições degradantes”.
Lula, ao contrário, prometeu mais facilidades. Quintanilha traz o ponto 102 de seu plano de governo: “Milhões de pessoas trabalham, estudam e vivem fora do país e contribuem para a economia e o desenvolvimento do Brasil. Retomaremos e ampliaremos as políticas públicas para a população brasileira no exterior e seus direitos de cidadania a partir de acordos bilaterais, em condições de reciprocidade, para o reconhecimento de direitos e uma vida melhor para as populações migrantes.”
A pergunta com o candidato do PT, de qualquer forma, é: ele vai cumprir?