#VidasImigrantesNegrasImportam #JustiçaPorEvans
Ato em São Paulo repudia morte do trabalhador ganês Evans Osei Wusu em condições inumanas; Ministério da Justiça promove retrocesso na política de refúgio e de direitos humanos, mantendo centenas de migrantes detidos ilegalmente no Aeroporto de Guarulhos
No último dia 25 de agosto, domingo, mais de uma centena de manifestantes se uniram na Avenida Paulista, São Paulo, no ato “Direito de migrar e solicitar refúgio”, convocado pela rede “Vidas Imigrantes Negras Importam”. Os ativistas e coletivos protestaram contra a morte de Evans Osei Wusu, que se encontrava ilegalmente detido com mais de 550 migrantes no conector do Aeroporto Internacional de São Paulo, na cidade de Guarulhos.
A situação foi denunciada no último dia 16 de agosto pela Defensoria Pública da União (DPU) como “grave violação dos direitos humanos, em desacordo com os compromissos internacionais do Brasil, especialmente a Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados e a Lei 9474/1997, que regula o refúgio no Brasil”.
O chamado conector é um espaço no aeroporto sem jurisdição legal onde imigrantes ficam confinados, sem acesso a mínimas condições de higiene, sujeitas ao frio e outras privações, o que já vem sendo denunciado nos últimos anos em organismos internacionais de direitos humanos, como a Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra.
Segundo o relatório da DPU, a Polícia Federal vem promovendo uma política arbitrária de “associação do controle migratório de admissão ou inadmissão e a regularização migratória”, que não encontra respaldo na lei. Como parte dessa arbitrariedade, o Secretário Nacional de Justiça, Jean Uema, atual presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg), deu início a graves retrocessos na política migratória no Brasil, especialmente no que diz respeito ao direito de solicitar refúgio. Esta mudança significa um grave ataque aos direitos humanos, como demonstrado em nota de repúdio emitida por mais de 60 ONGs e associações de imigrantes e na recente nota técnica do Comitê de Migrações e Deslocamentos da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) “sobre a restrição de viajantes sem documentação adequada pelo Ministério da Justiça” endereçada ao referido Secretario de Justiça e ao Ministro Ricardo Lewandowski.
Enviando informações exclusivas para setores da mídia – que até o presente momento não foram disponibilizadas publicamente –, o Secretário Uema instituiu uma ofensiva sensacionalista anti-imigrantes, na qual alardeia o “contrabando de pessoas”, a atuação de “organizações criminosas” e o “tráfico de pessoas” ao mesmo tempo em que diz defender os “legítimos refugiados”. Esses termos que estão na nota do Ministério da Justiça e Segurança Pública brasileiro do dia 22 de Agosto de 2024, são os mesmos que constam no discurso de Donald Trump de 16 de Maio de 2019 para criminalizar a migração. Os resultados desse tipo de política anti-imigrantes são bem conhecidos: ineficiência no combate ao tráfico de pessoas, corrupção de agentes públicos, separação de famílias e impacto adverso em políticas de migração regional, com violação ao direito de não retorno ao ameaçar promover deportações em massa.
Durante a manifestação em São Paulo, os coletivos de migrantes e movimentos sociais presentes ainda denunciaram que as medidas anunciadas por Jean Uema ameaçam direitos já conquistados na Lei de Migração, no Estatuto dos Refugiados e nos tratados internacionais de direitos humanos. Além de lideranças migrantes, o ato contou também com a presença da Co-Deputada Simone Nascimento (PSOL), coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU), da Profa. Bela Feldman-Bianco (da UNICAMP e integrante do Conselho Nacional de Imigração, CNig), do Paulo Illes (do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrantes, e integrante da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo) e da Profa. Rosane Borges (PUC-SP). A pesquisadora boliviana Hiordana Bustamante publicou artigo sobre a manifestação no portal Migrant Women Press: Resistance and Justice – The Struggle Against the Criminalisation of Migration in Brazil.
De acordo com a advogada e socióloga Karina Quintanilha, do Fronteiras Cruzadas, que esteve presente no ato, “se trata da externalização das fronteiras por pressão dos países centrais, por isso é importante manter uma ampla mobilização pela derrubada dos entulhos autoritários do governo Bolsonaro, como a portaria 770 instituída por Sérgio Moro, além de lutar por novas garantias, como a ratificação pelo Brasil da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos membros de suas Famílias“.
Pesquisadores destacam que a retórica contra redes criminosas ou tráfico de pessoas, mobilizada pelo governo federal a fim de intensificar a fiscalização na fronteira e reduzir o acesso de pessoas ao território nacional, é justamente o que produz as condições que fortalecem as supostas redes criminosas. “Se existe organização criminosa e coyotes nas fronteiras, isso se deve justamente ao fato de os Estados nacionais fecharem as suas fronteiras à mobilidade de pessoas” reforça o sociólogo Tiago Rangel Côrtes, que também integra o Fronteiras Cruzadas na Universidade de São Paulo (USP). “Enquanto produtos, valores, lucros, minérios, commodities atravessam o globo de forma acelerada na atualidade, trabalhadores, pessoas despossuídas das condições de vida, deslocados por desastres ambientais, populações empobrecidas por conta da lógica extrativista do capitalismo contemporâneo ficam retidos e são condenados à morte nas diferentes fronteiras do mundo. O Brasil não pode e nem deve assumir esse papel”, avalia.
Evans Osei Wusu, presente!
Evans era trabalhador de origem do Gana, país localizado na costa atlântica do Oeste do continente africano. Ele fez uma viagem ao México para buscar tratamento de saúde, com cirurgia marcada para tratar um problema na coluna vertebral, mas não foi admitido no México e deportado para São Paulo, onde chegou a manifestar o interesse de solicitar o refúgio. Aqui, permaneceu por dias em condições inumanas em uma área restrita do Aeroporto de Guarulhos, mesmo tendo solicitado diversas vezes às autoridades que pudesse ir a um hospital, e que arcaria com os custos de sua cirurgia. Já debilitado, Evans Osei Wusu chegou a ser levado em estado crítico ao Hospital de Guarulhos no dia 11 de Agosto e veio a falecer no dia 13 de Agosto. Mas a notícia da morte somente foi confirmada semanas depois, e o corpo permanece até o momento (2 de setembro) em lugar desconhecido para os familiares, mais uma evidência do descaso e da invisibilização da política migratória xenófoba e racista.