Arbitrariedades no fechamento de fronteiras pelo governo provocam repúdio de organizações em meio à crise sanitária global
Entidades da sociedade civil especializadas e atuantes no âmbito do Direito Migratório e do Direito Internacional das Pessoas Refugiadas, membros e parceiros da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), entre eles o Fórum Internacional Fontié Ki Kwaze – Fronteiras Cruzadas, apontam violações no direito humanitário e políticas discriminatórias na gestão do fechamento das fronteiras promovida pelo governo federal.
Confira abaixo a íntegra da Nota Técnica da Sociedade Civil sobre Portarias nº 120 e 125 referentes à restrição excepcional e temporária de entrada no Brasil de pessoas oriundas de países fronteiriços, exceto Uruguai
Após a publicação da Portaria nº 120, de 17 de Março de 2020, a qual estabeleceu a restrição excepcional e temporária de entrada no país de pessoas oriundas da Venezuela; e da Portaria nº 125, de 19 de Março de 2020, que estendeu a medida a pessoas oriundas de outros sete países fronteiriços com o Brasil, uma série de incongruências e ilegalidades jurídicas foram notadas por entidades que trabalham com assuntos relacionados à migração e às relações internacionais. Por isso, a nota técnica traz a público uma contextualização das portarias e críticas à forma com que as fronteiras estão sendo fechadas, indicando uma instrumentalização política e econômica que poderá custar milhares de vidas, atingindo direitos sociais fundamentais.
Embora as ações para a contenção da crise sanitária sejam urgentes, as ações do governo foram tomadas em direção oposta às indicações de organismos internacionais especializados das Nações Unidas, que recomendam que medidas de contenção do COVID-19 sejam implementadas sem exclusão do acesso das populações e grupos que se encontram em deslocamento forçado e necessitam de proteção internacional 1Key Legal Considerations on access to territory for persons in need of international protection in the context of the COVID-19 response.
O princípio da não devolução, além de violar o Direito Internacional, colocaria as pessoas “em órbita” em busca de um Estado que as receba, contribuindo com a disseminação da doença.
Trecho da Nota Técnica
Outro problema enfrentado em especial pelos cidadãos venezuelanos é o bloqueio promovido contra o Estado Plurinacional da Venezuela, que vem acarretando uma forma de punição coletiva com graves consequências para a saúde pública, entre as profundas crises pelas quais passa o país, com conflitos políticos, isolamento internacional e sanções econômicas 2 Commentary: Important lessons from the unfolding health crisis in Venezuela Jasilionis; Jdanov, disponível em: International Journal of Epidemiology, 2019, 1601–1603 .
A decisão do FMI em não conceder ajuda financeira à Venezuela em razão da “falta de clareza do reconhecimento internacional do governo venezuelano” foi alvo de repúdio hoje pela ONU que menciona a necessidade dos Estados garantirem uma renda básica em face da crise acentuada pela pandemia 3 https://nacoesunidas.org/relator-da-onu-pede-que-paises-adotem-renda-basica-universal-diante-da-pandemia/?fbclid=IwAR3_HYm9mfqiWV0GEEfRaXhIJbq90xFxeV8M9EF3ifKTWTkZgFSTMvrUU4s .
A Nota Técnica ainda critica a arbitrariedade na política de deportação e a criminalização da migração que vem se acentuando com a tentativa de desmonte da nova lei de migração no Brasil 4 veja também entrevista do El País com a pesquisadora Karina Quintanilha do Fórum Internacional Fronteiras Cruzadas – https://elpais.com/sociedad/2020-03-18/brasil-cierra-su-frontera-con-venezuela-para-contener-el-coronavirus.html . Já existem pesquisas e dados comprovados de que essas políticas não impedem a migração, e apenas colocam mais vidas em risco, em especial mulheres e crianças em situação de deslocamento forçado que acabam buscando rotas alternativas de extrema periculosidade para evitar serem presas ou deportadas.
Se é certo que, no Brasil, houve avanços recentes na conquista por direitos dos imigrantes nos últimos anos, em especial a nova lei de migração, também chama atenção o fato de que essa lei e o direito de refúgio vem sofrendo ataques e inúmeras barreiras. Em 26 de julho de 2019, por exemplo, o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro publicou a Portaria n. 666, substituída pela Portaria 770/2019, que trata o imigrante como “pessoa perigosa” sujeito à deportação sumária, violando direitos conquistados na Constituição Federal e na nova lei de migração, como a presunção de inocência e ampla defesa.
O atual contexto de crise sanitária global não pode servir de pretexto para violações a direitos humanos. Assumir a disseminação generalizada do coronavírus, implica em investimentos públicos e solidariedade internacional para garantir o acesso público à saúde para todos, sem discriminação. É justamente em momentos de crise que o legado da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e de todos que deram suas vidas lutando pela solidariedade internacional devem ser reivindicados com toda a sua potência.
Referências