Caso você não esteja conseguindo sacar o auxílio por questões migratórias, confira aqui o Ofício Circular elaborado pela Defensoria Pública da União.
Por Karina Quintanilha Ferreira – 11 de maio de 2020
Com base na Constituição Federal brasileira e na Lei de Migração (Lei 13.445/2017) não há dúvidas de que o benefício do auxílio emergencial é direito fundamental tanto para brasileiros quanto para imigrantes e pessoas em situação de refúgio.
Esse auxílio emergencial tem caráter assistencial e enquadra-se como direito fundamental para a garantia de alimentos e saúde pública no período em que o isolamento social se faz necessário para combater a COVID-19. O principal critério para receber o benefício é não ter um emprego formal e ter renda média mensal de até meio salário mínimo por pessoa, e de até 3 salários mínimos por família.
Esses critérios socioeconômicos se enquadram na realidade de uma parcela bastante significativa da população no Brasil, já que os trabalhadores e trabalhadoras da informalidade somam 40 milhões de pessoas, além dos desempregados, que somam 12 milhões no desemprego, sem nenhum recurso para sobreviver nessa pandemia.
E é justamente nesse mercado informal, onde prevalece a precarização do trabalho com direitos escassos, onde a maioria da população migrante encontrava sustento até o início da pandemia.
Acontece que, se até mesmo brasileiros estão enfrentando barreiras e humilhações para obter o auxílio emergencial, arriscando a vida em filas que se aglomeram na Caixa Econômica Federal, imigrantes enfrentam obstáculos ainda maiores relacionados à política de indocumentação.
A população migrante no Brasil corresponde a cerca de 1% da população nacional, um percentual baixíssimo em comparação à média dos países da América Latina, mesmo após o fluxo inédito de venezuelanos em situação de refúgio.
São diversos os problemas enfrentados por essa população na saga pelo auxílio emergencial, que vão muito além das barreiras com a língua e o desconhecimento da lei e dos códigos culturais do Brasil. Na prática, o que temos visto é que a política de indocumentação, ou seja o fato do próprio Estado dificultar a regularização migratória, é um óbice para a maioria dos imigrantes que necessitam do auxílio emergencial.
Dentre as principais barreiras, também apontadas em ofício mais recente da Defensoria Pública da União de São Paulo (DPU), podemos destacar duas:
1. impossibilidade de inscrição originária no CPF – Cadastro de Pessoa Fiísica por imigrantes; e
2. exigência de regularidade migratória e/ou documento com foto emitido no Brasil – CRNM, DP-RNM, CNH etc. – para o pagamento de valores.
Reação aos abusos e ilegalidades
Uma série de movimentos e entidades de proteção a direitos estão tomando providências para exigir que a Secretaria de Receita Federal do Brasil desburocratize a emissão do CPF aos imigrantes nesse período. Além dessa questão, ainda existem casos de migrantes que estão com CPF regular e mesmo assim não estão conseguindo se cadastrar por alguma inconsistência de dados na base cadastral da Receita Federal.
Com relação à exigência ilegal de documentos brasileiros para o saque de imigrantes que já tiveram o auxílio aprovado, está em curso uma ação civil pública da Defensoria Pública da União para requerer à Caixa Econômica Federal e ao Banco Central do Brasil que, conforme previsto em lei, se abstenham de condicionar o acesso à regularidade migratória e padronizem o pagamento das verbas a pessoas imigrantes considerando válida a
“Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM), Documento Provisório de Registro Nacional Migratório (DP-RNM), ou qualquer outro documento de identidade do estrangeiro expedido pela Polícia Federal, ainda que com prazo de validade expirado, ou que apresentem passaporte ou cédula de identidade do país de origem, ou, ainda, que apresentem quaisquer dos documentos de identidade brasileiros (carteira de identidade, passaporte, Carteira Nacional de Habilitação, carteiras de identificação profissional ou Carteira de Trabalho e Previdência Social), em todas as agências e correspondentes bancários do país”
Ação Civil Pública da Defensoria Pública da União (DPU)
A medida se faz necessária uma vez que as possibilidades de regularização migratória, um processo extremamente burocrático e custoso, estão suspensas pela interrupção dos serviços de atendimento do Departamento da Polícia Federal durante a pandemia. Alguns imigrantes que estão conectados com redes de proteção a direitos relatam que estão conseguindo o auxílio quando apresentam à Caixa o Ofício Circular elaborado pela Defensoria, disponível aqui.
Porém, o mais frequente é que o auxílio está sendo negado nas agências mesmo com o ofício da Defensoria em mãos, como foi abordado em recente matéria da Folha de São Paulo, tem sido casos em que mesmo com o ofício da Defensoria em mãos o acesso ao auxílio está sendo negado nas agências. Em São Paulo, a Ouvidoria de Direitos Humanos e a Defensoria Pública da União estão recebendo casos de imigrantes que estão tendo o direito ao auxílio negado.
Lei da Migração
Por fim, importante reforçar que a Lei de Migração, uma conquista dos imigrantes em 2017, revogou o Estatuto do Estrangeiro regulamentado na Ditadura Militar. A lei de Migração prevê o acesso igualitário e livre dos migrantes, independente do status migratório, a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social. E é igualmente central lembrar que essa lei também proíbe a criminalização dos migrantes por irregularidade migratória.
Para quem, mesmo durante a pandemia, questiona o porque imigrantes tem direito a esse benefício, é necessário reforçar que, além de ser um direito previsto em lei, estamos falando de trabalhadores e trabalhadoras que fazem parte da sociedade e contribuem com seu trabalho, sua cultura, e pagam impostos como todos. Lembrando ainda que o Brasil, nos últimos anos, tem sido considerado como um país de expulsão de trabalhadores/as, ou seja, temos três vezes mais brasileiros buscando trabalho fora do país do que imigrantes no Brasil.
Todos as razões apontadas nessa nota, com base jurídica e humanitária, levam a crer que é ilegal, quando não discriminatória e xenofóbica, a negativa ou tentativa de dificultar o acesso a auxílio emergencial a qualquer pessoa que necessite.
O texto foi repercutido originalmente pela Comissão dos Direitos dos Imigrantes e Refugiados da OAB-SP.
Karina Quintanilha é advogada com especialização em migração e refúgio sob a perspectiva de direitos humanos (Universidad de Lanús, Argentina), atualmente doutoranda em sociologia pela Unicamp. É pesquisadora e curadora do Fórum Internacional Fontié ki Kwaze – Fronteiras Cruzadas.