O Fórum Internacional Fontié ki Kwaze – Fronteiras Cruzadas expressa toda a solidariedade com a população imigrante no Brasil, alvo de recentes ataques de caráter xenófobo.
O último caso noticiado ocorreu no restaurante Al Janiah na madrugada do dia 1º de setembro. O restaurante – importante espaço de encontros culturais e debates no coração de São Paulo, onde trabalham refugiados e imigrantes – foi alvo de violento ataque realizado por um grupo de cinco homens brancos, um deles vestindo camiseta com a bandeira do estado de São Paulo, símbolo utilizado por grupos fascistas e xenófobos, portando bombas de gás, faca e spray de pimenta.
Outra recente tragédia terminou com a morte de dois bolivianos, Santiago Rodrigues e Roger Lipa Chambi, assassinados a tiros no dia 18 de agosto enquanto ensaiavam com sua banda próximo à praça Kantuta – região onde se concentram as festividades e trocas culturais dos migrantes bolivianos, a maior comunidade imigrante, na cidade. Ataques têm sido relatados em outras regiões do Brasil, como a execução com 15 tiros de uma médica boliviana saindo de seu trabalho no interior de São Paulo; uma haitiana assassinada em seu local de trabalho no Rio Grande do Sul e um haitiano espancado e jogado contra um caminhão em movimento em Santa Catarina.
O Fórum Fronteiras Cruzadas, promovido na Universidade de São Paulo por uma rede de pesquisadores, movimentos sociais e artistas imigrantes, já vem discutindo há mais de dois anos o ascenso de políticas que propagam o discurso anti-imigrantes e mobilizam o medo e o racismo como armas para dividir a opinião pública na América Latina, como acontece com a política de expulsões e deportações de Mauricio Macri, atual presidente da Argentina.
POLÍTICAS ANTI-IMIGRANTES
No Brasil, um novo marco de arbitrariedades na política migratória é a recente “Portaria Anti-Imigrantes” (Portaria 666/2019) de Sergio Moro, editada em julho deste ano. A portaria inconstitucional promove a ideia dos imigrantes como “pessoas perigosas”, sujeitos à deportação sumária com apenas 48 horas para recorrer, mesmo que não haja qualquer condenação prévia (veja aqui a ata do último encontro do Fórum em parceria com ProMigra sobre a Portaria). Diversas análises e documentos, como a nota técnica elaborada pela Defensoria Pública da União, demonstram como a Portaria 666 fere a Constituição Federal, a Lei de Migração (13.445/2017) e a Lei do Refúgio (9.474/1997), afrontando ainda tratados internacionais com os quais o Brasil se comprometeu.
É certo que as políticas do governo Bolsonaro remetem ao pensamento colonial e ditatorial característicos da elite brasileira, mostrando a submissão aos interesses norte-americanos e à política de Donald Trump em questões como a desnacionalização e venda da Petrobrás a preços ínfimos e a destruição da Amazônia em benefício do agronegócio exportador. O discurso de ódio e criminalização de trabalhadores imigrantes, cujo trabalho na realidade sustenta as economias dos países centrais, é um dos recursos utilizados pelo governo brasileiro, em consonância com o governo Trump.
O alinhamento na política migratória se expressa ainda na cooperação de Bolsonaro para facilitar a deportação de brasileiros que se encontram em situação indocumentada nos Estados Unidos, bem como na aliança internacional de governos de extrema-direita na Hungria, Polônia, Itália, Inglaterra, Estados Unidos da América, Israel, Arábia Saudita, Índia e Indonésia, sempre com discursos que colocam os imigrantes como responsáveis pelas mazelas sociais. O governo brasileiro tem ainda promovido cooperação para a extradição de pessoas com status de refugiado, ao arrepio dos tratados internacionais como o Estatuto dos Refugiados, com governos reacionários da Turquia e do Paraguai, este último envolvido em escândalo recente por acordo feito por debaixo dos panos com Bolsonaro sobre a Usina Hidrelétrica de Itaipu
A imigração sem nenhum direito no capitalismo contemporâneo é o objetivo desses governos: uma massa de trabalhadores indocumentados e precarizados pelas políticas neoliberais. Nesse contexto, discurso de ódio fomenta a violência e o racismo de Estado, como pode ser visto nos recentes atentados de supremacistas brancos contra a população imigrante, em especial mexicanos, em El Paso, no Texas; ou nos ataques nas mesquitas da cidade de Christchurch, na Nova Zelândia.
No caso do ataque ao Al Janiah, é preciso mencionar que expressa também o ataque contra as justas lutas dos palestinos – que representam o maior povo em diáspora no mundo -, no momento em que ocorre a Grande Marcha de Retorno aos territórios ocupados pelos interesses imperialistas no Oriente Médio. Donald Trump e Jair Bolsonaro são aliados de Benjamin Netanyahu, primeiro ministro de Israel – ele também um político da extrema-direita, envolvido em escândalos de corrupção
É importante lembrar que no Brasil a população imigrante representa apenas 1% da população, sendo que a quantidade de brasileiros vivendo no exterior é três vezes maior que a de estrangeiros no Brasil. A maioria dos brasileiros no exterior também está sujeita a políticas de indocumentação e trabalho precarizado.
Tratam-se de políticas que colocam em xeque o próprio sentido da democracia, que no Brasil já vinha sofrendo ataques com as políticas de encarceramento em massa, extermínio da população indígena e genocídio da juventude negra. Sabemos que muitas contradições são decorrentes inclusive das políticas do Partido dos Trabalhadores, principalmente a partir da crise econômica mundial de 2008 e que se expressou com mais força no Brasil em 2012. Dispositivos de criminalização criados no período agora são mobilizados contra as lutas sociais e contra imigrantes, como a sanção da Lei do Terrorismo no Governo Dilma que Sérgio Moro pretende utilizar para reforçar deportações arbitrárias através da “Portaria Anti-Imigrantes” (Portaria 666/2019). Como já discutimos no Fórum, a ocupação militar no Haiti em 2004 encabeçada pelo Exército brasileiro – MINUSTAH – produziu um massacre contra a população do país, majoritariamente negra, disseminando repressão política, doenças e estupros. Não à toa, os militares que comandaram a MINUSTAH fazem parte do núcleo do atual governo e da intervenção federal militarizada no Rio de Janeiro desde Michel Temer.
Entendemos que os ataques à população imigrante no governo Bolsonaro fazem parte de um contexto nacional e internacional mais amplo de retirada de direitos, arbitrariedades e racismo de Estado que atinge toda a população, brasileiros e imigrantes, acirrando o ataque às liberdades e direitos democráticos conquistados a duras penas contra os métodos da ditadura, marcada por políticas de tortura, corrupção, execução e desaparecimentos políticos.
TRABALHADORES E ESTUDANTES UNIDOS PELA PAZ
Enquanto Fórum internacional que tem acumulado discussões nesse campo em diálogo direto com redes e movimentos de imigrantes em São Paulo, consideramos importante não cair em provocações e não deixar que as forças reacionárias cumpram seu objetivo de disseminar o medo. Fazemos parte de um povo que nasceu das migrações, muitas vezes forçadas, do continente africano, da América Latina, da Europa, da Ásia e inclusive internamente. Em um momento de crise como estamos vivendo, é clara a intenção de dividir as diferentes culturas com o interesse em dominá-las. Mas a conexão entre os povos latino-americanos, africanos, indígenas e de todo o mundo são muito mais fortes. A riqueza das línguas, da cultura, das formas de arte, dos conhecimentos e de resistência política prevalecem sobre a ignorância, o medo e a intolerância.
Como resposta à crescente onda de ataques, nós, estudantes e trabalhadores brasileiros em união e solidariedade aos imigrantes, podemos aprender com exemplos das resistências ao redor do mundo, como podemos ver na recente renúncia do governador de Porto Rico Ricardo Rosselló após protestos imensos contra atos homofóbicos e machistas. Podemos também aprender com as lutas contra as ditaduras no norte da África e na aliança entre trabalhadores ao redor do mundo demonstrando que a solidariedade segue viva, como representado também pelo massivo movimento “No More Concentration Camps” nos Estados Unidos (contra os campos de concentração de imigrantes indocumentados); pelo movimento “Migrar No Es Delito” (contra a expulsão de imigrantes pela política de Macri na Argentina); e pelos movimentos que lutam por uma legislação migratória no Brasil que reconheça a população migrante como sujeita de direitos.
Nos solidarizamos com todos que têm sido alvo de políticas que promovem a violência e fomentam arbitrariedades, em especial contra mulheres, negros e imigrantes. Há esperança nas Universidades e nos movimentos políticos e culturais que demonstram a saída em busca da solidariedade e da paz entre os povos.
As próximas atividades organizadas pelo Fórum Internacional Fontié ki Kwaze – Fronteiras Cruzadas serão divulgadas pela página Fontie Forum, acompanhe!